sexta-feira, novembro 25

Memórias do Futebol de Getúlio Vargas/RS

      Lembro de algumas histórias pitorescas e hilariantes do futebol getuliense. Com certeza alguns conterrâneos também lembram delas ou já ouviram contar. Destas, eu sou testemunha ocular: Ricardo Bordignon, o patriarca, foi, indiscutivelmente, um importante e dinâmico empreendedor. Construiu a primeira casa de alvenaria da cidade. Foi dele, também, o primeiro automóvel que chegou de trem, e foi trazido de Estação pelo espanhol Fernandez. Liderou o grupo que implantou a primeira usina hidroelétrica do município. E outras coisas mais. No futebol, nos legou dois filhos: Dionísio e Darci. Os dois foram dedicados goleiros do nosso lendário Tabajara F.C. Primeiro, Dionísio o mais velho. Depois Darci, o caçula.


        Dionísio tinha estatura media, bigodinho ralo e nariz adunco. Muitas vezes levou o Tabajara nas costas. Jogava sempre com um boné. Numa das suas defesas ousadas, o boné caiu dentro da goleira. Dionísio não teve duvidas: com a bola debaixo do braço, entrou goleira à dentro para apanhá-lo. Claro que o juiz marcou gol. Foi difícil para seus companheiros convencê-lo de que o gol era válido. Irreverente, certa vez quando o jogo estava muito fácil, pediu a um torcedor uma cadeira e sentou-se dentro da goleira desdenhando o adversário. 
        Depois veio Darci que estudava em Porto Alegre no Colégio Rosário. Quando o Tabajara jogava partidas importantes, sempre nos fins de semana, ele chegava para defender o gol do timão. Alto, atlético, cabelos sempre cuidadosamente penteados com Glostora, era ídolo dos mais jovens e galã das moças da sua idade. Um goleiro moderno, atualizado, competente e arrojado. Pudera, estudava na capital!  Costumava enfeitar as jogadas e até criou uma coreografia própria. Depois de uma defesa, antes de repor a bola em jogo, passava a bola por trás das costas, da mão esquerda para a direita, sempre com inusitada destreza. Até que um dia, em cima da linha do gol, ao executar o malabarismo habitual, a bola escapou-lhe das mãos para o fundo da rede. Encabulado, ouviu da sua torcida risos e xingados.
        Na Copa do Mundo em que Romário marcou um gol de “bico”, lembrei-me de Osi, o eficiente e longevo zagueiro do Guaíba F.C. Numa época em que quase não se chutava “de bico”, Osi era exceção. No chute de “bico” é difícil dar à bola a direção desejada. Osi não se importava com a direção. Bola na área era bola pra frente. Seus companheiros se apavoravam quando ele estava de frente para a sua própria goleira.
        Pois numa tarde de domingo, no campo do Tabajara (hoje Taguá), Tabajara e Guaíba disputavam o campeonato municipal. Jogo difícil! No meio da partida desabou um temporal, com muita chuva de água e de granizo. O campo ficou encharcado e sobre o gramado uma considerável camada de granizo. A partida, claro, teve que ser interrompida. Ao reiniciar, o arbitro marcou tiro de meta. Na época, o tiro de meta era sempre cobrado pelo zagueiro. O goleiro é que colocava a bola no canto da pequena área. Zanella, o goleiro, fez isso. Ao bater, Osi desequilibrou-se e o bico da chuteira pegou no lado da bola. Esta saiu torneada para o lado entrando lentamente na sua própria goleira. Zanella, que estava ao seu lado, nada pode fazer.
        Também tivemos Nelson Buselatto, o canhão getuliense. Seus chutes a gol, potentes, lembram Roberto Carlos e Nelinho. A diferença é que raramente eram certeiros. A grande maioria, quando no estádio do Tabajara, arrancava as tábuas da cerca ou acabavam no rio Abaúna. Quando no estádio do Guaíba, desciam desajeitadas a lomba ou atingiam as vidraças das casas de tia Mimosa e tia Inês.          
        Dionísio morreu ainda jovem. Darci, aposentado, mora em Porto Alegre e, de quando em vez, joga bocha com seus amigos. Não sei se passa as bochas por trás das contas! Osi, jogou futebol até pouco antes de falecer. Buselatto, depois de concluir o curso técnico, migrou para o Paraná. Lá, é provável, continuou praticando seus chutes anormais. 

Fonte: Jornal A Voz da Serra de 31.03.95, Getúlio Vargas/RS

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