segunda-feira, setembro 10

Contos do Futebol Gaúcho - O Justo


     Este não é um conto gaúcho, mas resolvi postar pois considero um dos melhores do gênero. Foi escrito pelo jornalista Armando Nogueira. Retrata bem a realidade do futebol de forma irônica. Serviria muito bem para representar o amadorismo em que vive hoje nosso futebol profissional.




O Justo
O Mundo é uma bola


     O treinador reuniu a turma no vestiário e escalou doze: onze e o goleiro. O capitão do time estranhou, avisando que havia gente demais. O técnico, porém sustentou a escalação:
     - Isso é problema do juiz, o teu é jogar e tentar ganhar a partida.
     E lá se foi o time para campo.
     Cinco minutos de jogo, a torcida começou a gritar, alertando o árbitro: “O Pipira tem doze!”. O árbitro interrompeu a partida, contou os dois times e deu uma bronca no capitão que, por sua vez, passou a bola ao treinador:
     - Fala co’ home ali.
     O juiz foi ao técnico e mandou tirar de campo o excedente. Uma confusão tremenda na pista. O técnico chamou o árbitro para uma conversa em particular. Saíram os dois na direção do centro de campo. A torcida, aos berros descompunha todo o atraso.
     Os dois isolados no grande círculo, o técnico pôs a mão no ombro do juiz e entrou nas explicações:
     - O problema é o seguinte: eu sou um homem de cinquenta anos, estreando na profissão. E sou novo aqui na terra. Acontece que hoje de manhã, o presidente do clube me deu um bocado de nome, pra pôr no time. Dois são protegidos do delegado, quatro do comandante do destacamento, o goleiro é filho do gerente do banco, o presidente diz que os dois pontas-de-lança têm que jogar de qualquer maneira. Eu fui escalando, escalando.
    - É, mas passou da conta – diz o árbitro, inflexível.
     - E eu não sei que passou? Ia ser mais. Por sorte, o sobrinho do prefeito amanheceu com o pé inchado e pediu ao tio pra não jogar. Senão, entravam treze.
     - Bom, mas pra começar o jogo, o senhor tem que tirar logo um… - diz o juiz.
     -Eu, tirar um? Deus me livre. Tira o senhor. Por mim, o time joga com doze. Se o senhor está dificultando, vai lá o senhor e tira um, escolhe lá um. O mais que eu posso fazer é colaborar com o senhor. Por exemplo, não tire nem o cinco nem o seis que dá bolo com o chefe de polícia. E o pior é que agora eu já confundi tudo: não sei mais se o oito é gente do comandante do destacamento ou se é o filho do gerente do banco.
     O árbitro encarou o técnico do Pipira, enfiou o apito no bolso e saiu como uma fera:
     - Doze contra onze, comigo não. Doze contra onze só se me expulsarem da Liga.
     Parou diante do banco dos reservas do Serrinha F.C. e dirigiu-se ao técnico, sentencioso como nunca:
     - Carvalho, bota mais um dos teus homens em campo, Carvalho. Eu tenho horror a injustiça!

Armando Nogueira

Nenhum comentário:

Postar um comentário