segunda-feira, julho 16

Contos do Futebol Gaúcho - A Taça da Amizade



A Taça da Amizade


14 de Julho (Passo Fundo) X Gaúcho (Passo Fundo)

     

     14 de Julho e Gaúcho estavam alijados das finais do campeonato regional de 1960, decidido entre Atlântico, que foi o campeão e Ypiranga, um clássico erechinense. Por iniciativa da Liga Passo-fundense de Futebol e da imprensa local, resolveu-se, para não ficar em brancas nuvens, promover dois clássicos Ga-Qua, encerrando a temporada. Ao vencedor, seria entregue a Taça da Amizade.
      A primeira partida foi realizada no dia 10 de dezembro, uma quinta-feira, no Estádio Wolmar Salton. A vitória foi do dono da casa, o Gaúcho, por 1 a 0, gol de Jacy, cobrando falta. A partida foi muito disputada e nervosa, pois foram expulsos de campo Valentim e Leitão, do Gaúcho, e Café, do 14 de Julho. O árbitro, Sargento Moises Correia dos Santos, teve enormes dificuldades em levar a partida até o final.
     No dia 13 de dezembro, segundo jogo, agora no Estádio Dr. Celso da Cunha Fiori, reduto quatorzeano. No estádio lotado, todos perceberam a deficiência no policiamento, que garantiria a segurança do jogo. Mesmo assim o representante da Liga e o trio da arbitragem, em respeito ao público, deram condições pra a realização da partida.
     O começo foi bastante movimentado, com as duas equipes jogando ofensivamente a procura do gol. O jogo era bom de assistir, mas à medida que passava o tempo as faltas se sucediam, cada vez mais violentas, tornando o clima do jogo muito tenso. Aos 23 minutos, Armando Rebechi recebe a bola pela meia esquerda, entra na área e, ante a chegada de Godinho, bate forte, vencendo a perícia de Cavalheiro. 14 de Julho 1 a 0. aos 31 minutos, numa bola “rifada” pela zaga colorada acaba sendo dominada por Godinho. Ele atrasa defeituosamente para o aflito Cavalheiro que saía do gol. Plínio Rosseto, mais rápido, chega antes e desvia para as redes. 14 de Julho 2 a 0. Se vencessem, os rubros adiariam a decisão para um terceiro confronto. Ainda no primeiro tempo, Adilson vence Piranha na corrida e bate rasteiro no canto oposto de Rebequinho, que abandonava o gol. 14 de Julho 2 a 1. Dentro de campo o zagueiro Bem-Hur e o meia Vando, amigos fora dele, trocavam olhares odiosos.   A situação estava ficando insustentável para o árbitro controlar os atletas.
     Meca, ponteiro do 14 de Julho, muito veloz e driblador, recebia faltas, com ou sem a bola, do lateral Jacy. Vando, ao tentar rebater uma bola de bicicleta, atingiu a bola com um pé, e o pescoço de Tuta com o outro. Era o segundo tempo, e as coisas estavam ficando cada vez mais difíceis. Aos 25 minutos, Paulistinha cobra um escanteio para a área. Tuta, baixinho, consegue cabecear antes da chegada de Rebequinho. Estava empatada a partida, 2 a 2. Se o clima era terrível dentro de campo, fora dele, no pavilhão e nas gerais era pior. Focos de tumulto explodiam a todo instante. Com o empate, o alviverde era campeão. Aos 30 minutos, um golaço: Verardi, com muita habilidade fez jogada individual, driblou três adversários, e meteu a bola para Meca, que corria pelo meio. Meca recebeu a bola, levantou-a com o pé esquerdo e, de voleio, de direita, mandou uma bomba indefensável. 14 de Julho 3 a 2. faltando dois minutos para terminar o jogo, Leitão, da entrada da área, bate com força na bola mandando-a para a rede. Vibração de jogadores e torcedores do Gaúcho.  O árbitro corre em direção ao meio de campo. Atrás dele estão os jogadores do 14, mostrando o auxiliar Dossa, que permanece estático, com a bandeira levantada, anotando impedimento. O árbitro retorna em direção ao auxiliar e, após breve diálogo, volta atrás, e anula o gol. Muita discussão. Jogadores e dirigentes do Gaúcho pressionam o auxiliar, proferindo todo tipo de impropérios que conheciam. Mas Dossa, inflexível e com incrível coragem, mantém sua decisão.
     O jogo prossegue e, no minuto seguinte, Meca dá mais um dos incontáveis dribles em Jacy, e levanta mais uma vez a falta. Com os nervos à flor da pele, Meca que nunca foi de briga, desfere um tapa no rosto do adversário. Tumulto. Armando Rebechi foi tirar satisfações de Jacy, e este lhe põe o dedo indicador no rosto. Armando não teve dúvidas, deu uma mordida no dedo de Jacy, arrancando-lhe a pele. O jogador do Gaúcho urrava de dor.
    Pupe, ex-jogador e torcedor ardoroso do 14 de Julho, normalmente assistia aos jogos no lado de fora da cerca, que circundava o Estádio da Baixada. Ficava em cima de seu caminhão, acompanhado de vários amigos, estacionado atrás da goleira, que ficava à direita do pavilhão. Situado na hoje Estação Rodoviária, onde saem os ônibus. A mordida de Rebechi foi o sinal para que Pupe e seus amigos pulassem para dentro do estádio, arrancassem uma tábua que sustentava o alambrado e entrassem na confusão, que naquelas alturas era generalizada.
    Ben-Hur e Vando se encontraram no meio de campo. Se mediram e, como conta em seu depoimento Vando, Ben-Hur disse: “o que você acha?”. Vando respondeu: “você é quem sabe”. Se olharam mais uma vez e ficaram à margem do campo conversando e se divertindo com a briga.
     Dizem que até tiros saiu, foi mais uma briga, normal nos clássicos. Era assim mesmo, Ga-Qua sem brigas era muito difícil. A Taça da Amizade não foi decidida, ninguém mais falou sobre ela. Amizade não existia entre 14 de Julho e Gaúcho. A rivalidade, sim, era a enorme barreira entre os dois clubes.




Fonte:
Marco Antônio Damian
Retirado do Livro Futebol de Passo Fundo: contribuição à sua história, 1997

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