sábado, maio 17

Contos do Futebol Gaúcho - O jogo das laranjas


O jogo das laranjas

E. C. Ferro Carril X Sá Viana F.C.

      Jogos entre Ferro e Sá Viana eram literalmente guerreados. Lembro de dois violentos e engraçados. No primeiro houve uma discussão no centro do campo, acho que entre o Chirunga, o Hugo e o Amantino. O Amantino encarou o Chirunga e o Hugo foi “tirar as caras”. Fechou o pau, mas nem todos brigaram.
      Veja só, mesmo em conflito solto, o quanto imperava o respeito: ninguém invadiu o gramado! Os jogadores ficaram lá dentro brigando e as torcidas se xingando. O presidente do Ferro era o Antônio Silva, que jamais levava desafora para casa, não deixaria por isso mesmo. Comprou algumas laranjas de um menino que vendia, depois comprou o cesto, e logo a seguir passou a pagá-lo para que fosse abastecer o cesto no caminhão estacionado na rua atrás do estádio. O campo ficou alaranjado, na cor e no conteúdo.    

     Os jogadores do Sá Viana, que no começo jogavam as laranjas de volta, passaram guardá-las, chupavam algumas e aí sim, jogavam de volta. Virou farra. O outro jogo foi nos Eucaliptos. Todos os cuidados foram tomados para conter as rusgas. Ia tudo bem, até que Amantino e Hugo se encontraram no meio do campo. Detalhe: o Amantino era zagueiro  e o Hugo também. Nesse jogo, porém, o Amantino jogava de centroavante, para “facilitar as coisas”.
       O Hugo, para os padrões da época era um negrão enorme, já o Amantino, mesmo para os padrões da época era baixinho, mas macho, uma barbaridade. Não sei quem nem porque começou, mas já começaram aos tapas. Apenas um ou dois de cada time não participaram da  briga. Tenho muito nítido na lembrança o Fonso, que trocara o Sá Viana pelo Ferro há algum tempo, e naquela época era quase crime, encostado na trave distribuindo socos e pontapés contra dois, ou três savianistas. Novamente não houve invasão alguma,  em compensação, os vendedores de laranja, sabedores do  acontecimento anterior, e prevenidos, forraram o poncho.
      Alaranjou tudo de novo, com um detalhe: os adversários  encamparam a idéia e trataram de participar dos arremessos. Nunca soube porque essas histórias não foram contadas. Se foram que me perdoem. Saí de Uruguaiana em 1970, com algumas definições muito claras sobre a batalha final: Segundo a Bíblia seria entre o Bem e o Mal. Para mim seria entre Ferro e Sá Viana. (No máximo, antes disso, uma guerrinha entre União e Dom Hermeto). Talvez por isso não entenda porque a fusão dos dois clubes. Certo que não há cacife econômico na cidade para sustentação dos três. Então que se fundissem todos preservando suas histórias. O meu pai foi campeão gaúcho em 1946 pelo Ferro, formando este ataque: Marimbondo, Portela, Ida, Manoel e Paulo, em dois jogos finais contra o então poderoso Gloria, de Carazinho. Foram dois 4x1, lá e cá. Para onde terá ido tudo isso? Não é uma crítica, ou somente uma crítica, é uma pergunta de quem acredita nos ciclos da vida, e que histórias de conquistas passadas formam vencedores no futuro. Vinte de Setembro é uma data e tanto para quem se orgulha do pago, mas o que Ferro Carril e Sá Viana têm a ver com isso?
De: Jair Gomes - 15/3/2004



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